A semana que se encerra nos brindou com uma fotografia complexa do Brasil, onde a frieza dos números muitas vezes mascara uma realidade de desafios estruturais e um preocupante desvio de rota. Entre recordes de arrecadação e superávits pontuais, a fragilidade fiscal continua a assombrar, enquanto a segurança jurídica e a ordem social sofrem com a judicialização da política e a persistência da criminalidade.
A Miragem Fiscal e o Custo do Estado Inchado
A notícia de um superávit de R$ 36,5 bilhões nas contas do Governo Central em outubro, embora celebrada, precisa ser vista com a devida cautela. É um alento temporário, sim, e o quarto melhor resultado para o mês desde 1997. No entanto, a euforia se esvai quando olhamos o acumulado do ano: um déficit primário de R$ 63,7 bilhões. A meta de “déficit zero” para 2025 já parece um mero desejo, com projeções que se aproximam perigosamente do limite superior da banda estabelecida pelo arcabouço fiscal.
O problema central não está na falta de arrecadação. Pelo contrário, o país viu um recorde de receitas em outubro, impulsionado pelo Imposto de Renda (beneficiado pelo crescimento da massa salarial e, ironicamente, pelos juros altos que valorizam aplicações) e pelo IOF. A questão reside no implacável e crescente volume de despesas. Gastos com Previdência Social, saúde e precatórios dispararam, corroendo qualquer ganho na receita.
Essa dinâmica perversa nos leva ao Tesouro Direto. O recorde de vendas de títulos públicos a pessoas físicas em outubro, com o estoque total superando os R$ 200 bilhões pela primeira vez, reflete o interesse dos investidores na alta taxa Selic. Se, por um lado, é positivo ver o pequeno investidor buscando rentabilidade, por outro, é um sintoma da pesada conta que o governo paga para se financiar. Juros altos significam mais responsabilidade fiscal, um antídoto contra a tentação gastadora. A dívida pública não é uma abstração; ela é paga pelo cidadão, direta ou indiretamente, e a insistência em manter um Estado inchado só agrava esse fardo. Urge uma reforma administrativa profunda e um controle de gastos que vá além de maquiagens pontuais.
A Judicialização Intensa e a Fragilidade Institucional
No campo institucional, assistimos a mais capítulos da crescente judicialização da política, que mina a segurança jurídica e desvia o foco dos debates essenciais. As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo a família Bolsonaro se tornaram um espetáculo à parte. A determinação do ministro Alexandre de Moraes para que a defesa de Jair Bolsonaro explique o uso de celular pelo deputado Nikolas Ferreira durante uma visita, ou a recente conclusão do julgamento que torna Eduardo Bolsonaro réu, exemplificam como o judiciário, por vezes, assume protagonismo excessivo em questões que, em outros tempos, talvez se resolvessem noutras esferas.
Não se questiona a necessidade de responsabilização e de que todos estejam sujeitos à lei. Contudo, a frequência e a intensidade com que o STF se imiscui em detalhes da vida política, e a percepção de que certas ações são mais célere e severamente tratadas do que outras, geram um ambiente de instabilidade e incerteza. A judicialização excessiva, por mais bem intencionada que possa parecer, enfraquece o sistema de freios e contrapesos e politiza a Justiça, distanciando-a de sua função primordial de garantir a lei e a ordem de forma isonômica para todos os brasileiros. A solidez das instituições democráticas reside na clareza de suas atribuições e na previsibilidade de suas ações, não em sua capacidade de intervir em cada microepisódio do cotidiano político.
Segurança Pública: Entre o Caos e a Resposta Necessária
A tragédia na Escola Municipal Hélio Smidt, no Complexo da Maré, onde um menino de 12 anos foi baleado durante uma operação policial, é um lembrete doloroso da falência do Estado em garantir o direito básico à segurança. É inadmissível que crianças sejam vítimas de confrontos armados em ambientes educacionais.
Contudo, é crucial ir além da condenação imediata da ação policial e entender o contexto. A polícia atuava, segundo a própria corporação, para “evitar um confronto que poderia fazer diversas vítimas inocentes” devido à movimentação de grupos armados rivais. A Maré, como tantas outras comunidades, é refém do crime organizado, do tráfico de drogas e de facções. O verdadeiro inimigo da ordem social não é a polícia em si, mas a ausência do Estado de direito, que permite que o crime prospere e a violência se normalize. A ação policial, embora deva ser sempre investigada e aprimorada para evitar danos colaterais, é uma resposta necessária à barbárie. O clamor por segurança pública não se resolve apenas com menos polícia, mas com a retomada do controle territorial pelo Estado, com inteligência, estratégia e força, para que as famílias possam viver em paz e as crianças, estudar sem medo.
Economia e Regulação: Mais Impostos ou Livre Iniciativa?
No cenário econômico, a discussão sobre a taxação de fintechs e empresas de apostas (bets) no Senado revela a eterna tentação arrecadatória do Estado. O adiamento da votação, a pedido do líder da oposição, senador Rogério Marinho, é um respiro necessário para aprofundar o debate. É justo buscar coibir a lavagem de dinheiro e equiparar a tributação entre setores que atuam em mercados semelhantes. No entanto, a solução para coibir ilegalidades não deveria ser o aumento indiscriminado da carga tributária, penalizando as empresas sérias e o ambiente de negócios.
O Brasil já padece de uma das maiores cargas tributárias do mundo. O aumento da Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL) sobre fintechs, por exemplo, embora argumentado como forma de igualar bancos tradicionais, precisa ser avaliado com base no impacto real na inovação e na competitividade. Soluções que reforcem a fiscalização, aumentem a transparência e endureçam as penas para fraudes e lavagem de dinheiro são mais eficazes do que simplesmente taxar mais.
Ainda no âmbito da economia regulada, a liberação do uso do FGTS para imóveis de até R$ 2,25 milhões, corrigindo uma “distorção”, é um exemplo de como o Estado interfere em mercados que deveriam funcionar com mais autonomia. Embora possa beneficiar famílias de renda média e alta na aquisição de imóveis, desvirtua o propósito original de um fundo pensado para o trabalhador, injetando recursos em um segmento que talvez não precisasse de tal estímulo, e que poderia ser melhor atendido pelas forças de mercado.
Um Caminho para a Realidade
Os acontecimentos da semana reforçam a urgência de um Brasil que volte a valorizar os fundamentos. Precisamos de responsabilidade fiscal que não se iluda com superávits efêmeros, mas que corte gastos estruturais e promova um Estado mais eficiente e menos intervencionista. Necessitamos de um judiciário que seja guardião da lei, e não ator político, garantindo a segurança jurídica e o equilíbrio entre os poderes. É imperativo que a segurança pública seja prioridade absoluta, com ações firmes contra o crime organizado, que garantam a ordem e permitam que a sociedade prospere. E, finalmente, um ambiente econômico que fomente a livre iniciativa, com menos burocracia e tributação justa, para que o setor privado possa ser o verdadeiro motor do desenvolvimento. Sem esses pilares, continuaremos flutuando entre a ilusão dos números e a dura realidade que insiste em se impor.
Fonte: Coluna de opinião – Notícia SC
