O xadrez político entre costumes, judiciário e o jogo do Congresso
A semana política no Brasil desenhou um cenário complexo, onde pautas de costumes, a atuação do Poder Judiciário e as intrincadas relações entre Executivo e Legislativo disputam a atenção. De um lado, vimos a efervescência da guerra cultural; de outro, a Suprema Corte reafirmando seu protagonismo, mesmo que com alguma autocrítica. No centro, a governabilidade do Presidente Lula segue dependendo da habilidade em Brasília.
Conflito cultural e o posicionamento da primeira-dama
A tensão em torno das pautas de costumes alcançou novos patamares com o embate público entre o deputado federal Nikolas Ferreira e a primeira-dama Janja Lula da Silva. Ferreira, uma voz proeminente da direita no Congresso, criticou o que chamou de “lacração” do governo, defendendo valores familiares e conservadores. Janja, por sua vez, retaliou, associando as críticas a “fascismo e desrespeito”. Esse episódio não é isolado, mas sintoma de uma polarização que persiste, onde a esfera pessoal e os valores morais tornam-se campos de batalha política. A participação da primeira-dama em um evento evangélico no Rio de Janeiro, buscando aproximação com o setor que é tradicionalmente mais reticente ao Partido dos Trabalhadores, demonstra a consciência da relevância desses temas e a estratégia governista de tentar amenizar resistências. O esforço, contudo, revela uma guinada pragmática do governo em tentar dialogar com segmentos que historicamente foram negligenciados, mas que representam uma força eleitoral significativa.
O protagonismo do Supremo e a liberdade de expressão
A intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) na arena política também marcou a semana. O ministro Alexandre de Moraes manteve multas a diretores de redes sociais por publicações envolvendo o Presidente Lula e a primeira-dama Janja. A decisão reitera a posição da Corte de que as plataformas digitais têm responsabilidade no combate a “fake news” e discursos de ódio, visando preservar a “honorabilidade” de figuras públicas. Essa atuação do STF, que alguns interpretam como necessária para a estabilidade democrática, é vista por setores da sociedade, especialmente pela direita, como uma perigosa expansão dos limites de sua jurisdição, gerando preocupações sobre a liberdade de expressão e a censura velada. A linha tênue entre combater a desinformação e cercear o debate público legítimo continua a ser uma das maiores tensões da atual conjuntura brasileira, com o Judiciário assumindo um papel de árbitro que, para muitos, deveria ser do Legislativo ou da própria sociedade civil.
Autocrítica judicial e o clamor por protagonismo legislativo
Paradoxalmente, essa mesma semana trouxe à tona uma autocrítica dentro do próprio STF. Os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, em um seminário sobre os 35 anos da Constituição, criticaram o que chamaram de “populismo judicial” e cobraram maior protagonismo do Legislativo. Barroso foi enfático ao afirmar que “é preciso assumir a responsabilidade e parar de jogar para a gente”. A declaração, ainda que relevante para a discussão sobre a separação dos poderes, soa irônica vinda de ministros que têm sido vistos como arquitetos de decisões que frequentemente invadem a esfera de outros poderes. O apelo por um Legislativo mais atuante é justo e necessário, mas a crítica ganha um tom peculiar quando proferida por aqueles que, em muitos casos, ocuparam o vácuo deixado pela inação ou incapacidade do Congresso. A história recente mostra que o STF, muitas vezes, agiu para preencher lacunas ou resolver impasses que o Congresso Nacional não conseguiu ou não quis enfrentar, criando um ciclo vicioso de judicialização da política.
O “compasso de espera” do Congresso Nacional
No Congresso, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, revelou que a relação com o Presidente Lula está em “compasso de espera”, apesar de um diálogo permanente. Essa declaração de Lira é um termômetro preciso da fragilidade da base governista e da necessidade do Executivo em negociar constantemente com o Legislativo para avançar com sua agenda. Lira, uma figura central na articulação política, também elogiou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, indicando uma aliança ou alinhamento estratégico entre as lideranças do Congresso. O poder do centrão e a habilidade de Lira em manejar as pautas legislativas são cruciais para a governabilidade. A exigência de contrapartidas, a distribuição de cargos e emendas, e a própria dinâmica do toma lá dá cá são elementos inerentes ao sistema político brasileiro, mas a postura de “espera” de Lira ressalta a complexidade de se formar uma base sólida e a dependência do Planalto em relação aos caciques do Parlamento. O governo Lula tem sido forçado a ceder espaço e poder para garantir o mínimo de estabilidade legislativa.
O quadro político atual é um emaranhado de forças e interesses, onde a definição dos rumos do país é disputada em múltiplos fronts. A polarização cultural, a expansão do poder judicial e a constante barganha no Congresso testam a solidez das instituições. Para o cidadão de centro-direita, o cenário inspira cautela. A busca por um equilíbrio entre a defesa dos valores conservadores, a manutenção da liberdade de expressão e a garantia de que cada Poder exerça sua função constitucional, sem invadir a competência alheia, é fundamental. O fortalecimento do Legislativo, com deputados e senadores assumindo sua real responsabilidade, é um pilar para que o Judiciário possa recuar de seu ativismo excessivo e que as pautas mais caras à sociedade sejam debatidas e resolvidas no fórum adequado: o parlamento. Sem isso, corremos o risco de ver a política brasileira refém de decisões monocráticas ou de barganhas que pouco contribuem para o desenvolvimento e a ordem da nação.
Fonte: Coluna de opinião – Notícia SC
