Aquele encontro, convocado pelo imperador Constantino, reuniu pela primeira vez bispos de todo o mundo então conhecido para resolver uma crise que ameaçava despedaçar o cristianismo nascente.
O estopim foi a doutrina defendida pelo presbítero Ário, de Alexandria, segundo a qual Jesus Cristo, embora a mais excelsa das criaturas, não possuía a mesma natureza divina do Pai. Para Ário, o Filho havia sido criado no tempo, não era eterno nem consubstancial ao Pai. A ideia, que ficou conhecida como arianismo, espalhou-se rapidamente e dividiu comunidades inteiras.
Ali, após intensos debates entre os 318 bispos, o arianismo foi condenado e redigiu-se o Credo que ainda hoje é recitado por milhões de cristãos: Jesus Cristo é “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai”.
Uma das histórias curiosas que surgem desse encontro foi protagonizada por São Nicolau, bispo de Mira e futuro santo padroeiro das crianças, que inspira a lenda do bondoso velinho que traz presentes no Natal.
Conta a tradição que, incapaz de tolerar o que considerava blasfêmias de Ário, Nicolau levantou-se e deu um tapa no rosto do presbítero. O gesto valeu-lhe um tempo na prisão, mas não impediu que sua posição ortodoxa prevalecesse.
Exatos 1.700 anos depois, no mesmo solo, Leão XIV e Bartolomeu I (patriarca ecumênico de Constantinopla e principal referência simbólica das Igrejas Ortodoxas) — sucessores, respectivamente, dos apóstolos irmãos Pedro e André, recitaram juntos o Credo niceno-constantinopolitano, com os acréscimos introduzidos no Concílio de Constantinopla de 381. O ato não foi apenas litúrgico: carregou o peso de um passado doloroso.
Leão XIV, referindo-se diretamente ao caminho ecumênico, afirmou: “Somos todos convidados a superar o escândalo das divisões infelizmente ainda existentes e a alimentar o anseio em busca da unidade, pela qual o Senhor Jesus orou e deu a sua vida”.
Porque, se Niceia representou o esforço pela unidade do cristianismo ainda uno, o ano de 1054 marcara a ruptura definitiva entre Oriente e Ocidente, no que ficou conhecido como Grande Cisma. Naquele século XI, outro Papa Leão, o nono, foi protagonista das tensões que culminaram na separação entre a Igreja de Roma e as Igrejas ortodoxas.
Por outro lado, a declaração assinada pelo papa Leão XIV e por Bartolomeu I não finge que as feridas do Grande Cisma de 1054 estejam curadas, mas aponta três compromissos concretos: custodiar juntos a fé de Niceia (que já é comum), prosseguir o diálogo teológico sobre os pontos ainda em aberto e trabalhar por uma data comum da Páscoa. Acrescenta o testemunho conjunto pela paz e a rejeição de toda violência justificada por religião.
Mais de nove séculos depois do Grande Cisma, o eco daquela controvérsia ainda ressoa — mas, pela primeira vez em muito tempo, ressoa acompanhado por uma oração comum e pela voz de dois irmãos que voltaram a falar a mesma língua.
Fonte: Gazeta do Povo
