O cenário regulatório para o setor de streaming no Brasil está em um momento crucial com o avanço do Projeto de Lei 8889/2017, conhecido popularmente como a “Lei do Streaming” ou “Taxa Netflix”. Após ser aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto segue agora para apreciação no Senado Federal, onde enfrenta intenso lobby de grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, e preocupações expressas pelo governo dos Estados Unidos. A proposta visa impor a cobrança de impostos sobre as plataformas de vídeo sob demanda (VoD) e estabelecer cotas obrigatórias para a produção de conteúdo audiovisual nacional, gerando um debate complexo sobre soberania cultural, desenvolvimento econômico e relações diplomáticas.
A iniciativa legislativa tem como principal objetivo fomentar a indústria audiovisual brasileira, garantindo investimentos e a criação de empregos no setor, além de assegurar a diversidade cultural e a valorização das produções locais. No entanto, as disposições da lei são vistas pelas gigantes do streaming como um fardo financeiro e regulatório, o que pode levar a um aumento nos preços das assinaturas para os consumidores brasileiros e, potencialmente, a atritos comerciais e diplomáticos com os EUA, país de origem da maioria dessas plataformas.
O histórico e os pilares da Lei do Streaming
A discussão sobre a regulação do streaming no Brasil não é recente. Desde meados da década de 2010, com a ascensão e popularização de serviços como Netflix, Amazon Prime Video, Disney+, HBO Max e outros, o debate sobre como enquadrar esses novos modelos de distribuição de conteúdo dentro da legislação existente tem ganhado força. O Projeto de Lei 8889/2017, especificamente, tem como um de seus pilares a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). Essa taxa já é aplicada a emissoras de TV e outras mídias tradicionais, e sua extensão às plataformas de streaming é vista como uma forma de nivelar a concorrência e gerar recursos para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), administrado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine).
Além da tributação, outro ponto central da proposta são as cotas de conteúdo nacional. A Lei do Streaming estabelece a obrigatoriedade de um percentual mínimo de produções brasileiras no catálogo das plataformas, com uma parte reservada a obras independentes. Essa medida visa estimular a produção local e garantir espaço para artistas e técnicos brasileiros. A proposta também exige que as plataformas se registrem na Ancine e sigam outras regras estabelecidas pelo órgão regulador, buscando uma maior fiscalização e transparência sobre a operação desses serviços no país.
Para mais informações sobre a legislação brasileira, consulte o Portal do Planalto.
Aprovado na Câmara, o debate se intensifica no Senado
A aprovação do Projeto de Lei na Câmara dos Deputados representou uma vitória significativa para os defensores da regulação e do fomento à cultura nacional. Durante a tramitação na casa, foram apresentados argumentos favoráveis que ressaltavam o potencial da lei para gerar milhares de empregos no setor audiovisual, promover a diversidade cultural e assegurar que o público brasileiro tenha acesso a mais histórias e talentos locais. O texto recebeu apoio de diversos setores da indústria cultural, de artistas a produtores independentes, que veem na regulamentação uma oportunidade de crescimento e proteção contra a hegemonia de conteúdos estrangeiros.
Agora, o foco das discussões se volta para o Senado Federal, onde o projeto será submetido a um novo ciclo de análises e votações. A casa legislativa é frequentemente palco de debates mais aprofundados e pode propor emendas significativas ao texto, considerando as diversas pressões e interesses em jogo. A expectativa é de que o projeto passe por comissões temáticas antes de ser levado ao plenário para votação, um processo que pode ser demorado e envolver intensas negociações políticas.
Pressão das big techs e do governo dos EUA
A tramitação da Lei do Streaming tem gerado forte reação por parte das grandes empresas de tecnologia que operam serviços de streaming no Brasil. Plataformas como Netflix, Amazon, Google (YouTube) e Apple (Apple TV+), por meio de suas associações e representações, têm argumentado que a taxação e as cotas representariam um ônus excessivo para suas operações, podendo inviabilizar investimentos, levar ao aumento dos preços das assinaturas para os consumidores e até mesmo à retirada de alguns serviços do mercado brasileiro. Elas defendem que a inovação e o crescimento do setor devem ser impulsionados pela livre concorrência e não por intervenções estatais consideradas “protecionistas”.
Além da pressão corporativa, o governo dos Estados Unidos tem demonstrado preocupação com a proposta brasileira. Durante a administração de Donald Trump, e mantendo-se como uma política geral dos EUA, o governo americano se manifestou diversas vezes contra a imposição de taxas sobre serviços digitais em outros países, considerando-as discriminatórias e prejudiciais às empresas americanas. Em outros contextos internacionais, como na França, onde uma taxa semelhante foi implementada, os EUA chegaram a ameaçar retaliações comerciais. A aprovação da Lei do Streaming no Brasil, portanto, pode “azedar” as relações comerciais e diplomáticas entre os dois países, caso os EUA considerem que seus interesses econômicos estão sendo diretamente afetados de forma injusta.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o Itamaraty, poderia ser o canal para discussões diplomáticas sobre o tema. Para saber mais sobre as políticas externas do Brasil, visite o site do Itamaraty.
Impactos econômicos e culturais em análise
Os potenciais impactos da Lei do Streaming são vastos e multifacetados. Do ponto de vista econômico, os defensores da lei apontam para a geração de bilhões de reais para o setor audiovisual, que poderiam ser reinvestidos em novas produções, infraestrutura e capacitação profissional. Estatísticas da Ancine, por exemplo, frequentemente destacam a capacidade do setor audiovisual de gerar empregos e movimentar a economia, o que seria amplificado com a injeção de novos recursos. No entanto, críticos alertam para o risco de aumento da informalidade, caso as plataformas reduzam suas operações formais, ou para a perda de competitividade do mercado brasileiro se os custos forem repassados integralmente aos consumidores.
Culturalmente, a lei é vista como uma ferramenta essencial para a valorização da identidade nacional e a promoção da diversidade. A imposição de cotas de conteúdo nacional visa garantir que a produção brasileira não seja ofuscada por produções estrangeiras, permitindo que histórias e talentos locais alcancem um público maior. Isso pode fortalecer a indústria cultural do país, que já possui um histórico de reconhecimento internacional em diversas áreas. Contudo, há quem argumente que a imposição de cotas pode levar à produção de conteúdo de menor qualidade, apenas para cumprir a exigência, sem necessariamente atender aos anseios do público.
Para dados e relatórios sobre o mercado audiovisual no Brasil, o site da Ancine é uma fonte primária.
Contexto internacional e o futuro da regulamentação digital
A iniciativa brasileira não é um caso isolado no cenário global. Muitos países e blocos econômicos têm debatido e implementado legislações semelhantes para regular as plataformas digitais. A União Europeia, por exemplo, possui a Diretiva de Serviços de Mídia Audiovisual (AVMSD), que exige que os serviços de streaming reservem uma porcentagem de seus catálogos para obras europeias. O Canadá aprovou recentemente sua Lei de Streaming Online, que também visa regular e taxar as plataformas para apoiar o conteúdo nacional. Esses exemplos demonstram uma tendência global de busca por um equilíbrio entre a inovação tecnológica e a proteção dos interesses culturais e econômicos nacionais.
O futuro da Lei do Streaming no Brasil dependerá da capacidade dos senadores em conciliar os diversos interesses envolvidos. A pressão das big techs e do governo dos EUA será um fator importante, mas a necessidade de fortalecer a indústria audiovisual brasileira e proteger a cultura nacional também pesa na balança. As decisões tomadas no Senado Federal terão um impacto duradouro não apenas na forma como os brasileiros consomem conteúdo, mas também nas relações comerciais e diplomáticas do país no cenário internacional. Acompanhar a tramitação deste projeto é fundamental para entender os rumos da economia digital e da política cultural do Brasil.
